segunda-feira, 6 de julho de 2009

Os verdadeiros guerreiros

Compartilho aqui um texto dos filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari apresentado em uma das aulas de Filosofia.

Filosofia,ciência e arte-Deleuze e Guattari
"Pedimos somente um pouco de ordem para nos proteger do caos.Nada é mais doloroso,mais angustiante,do que um pensamento que escapa a si mesmo,ideias que fogem,que desaparecem apenas esboçadas,já corroídas pelo aquecimento ou precipitadas em outras,que também não dominamos.São velocidades infinitas,que se confundem com a imobilidade do nada incolor e silencioso que percorrem,sem natureza nem pensamento.É o instante que não sabemos se é longo demais ou curto demais para o tempo.Recebemos chicotadas que latejam como artérias.Perdemos sem cessar nossas ideias.É por isso que queremos tanto agurrar-nos as opiniões prontas.Pedimos somente que nossas ideias jamais teve outro sentido:fornecer-nos regras protetoras,semelhança,contiguidade,causalidade,que nos permitem colocar um pouco de ordem nas ideias,passar,passar de uma a outra segundo uma ordem do espaço e do tempo,impedindo nossa "fantasia"(o delírio,a loucura) de percorrer o Universo no instante, para engendrar nele cavalos alados e dragões de fogo.Mas não haveria nem um pouco de ordem nas ideias,se não houvesse também nas coisas ou estados de coisas,como um anticaos objetivo: "Se o cinábrio fosse ora vermelho,ora preto,ora leve,ora pesado...,minha imaginação não encontraria a ocasiãopara receber,no pensamento,o pesado cinábrio com a representação da cor vermelha".E,enfim,para que haja acordo entre coisas e pensamento,é preciso que a sensação se reproduza,como garantia ou o testemunho de seu acordo,a sensação de pesado cada vez que tomamos o cinábrio,a de vermelho cada vez que o vemos,com nossos órgãos do corpo,que não percebem o presente,sem lhe impor uma conformidade com o passado.É tudo isso que pedimos para formar uma opinião,como uma espécie de "guarda-sol" que nos protege do caos.
Nossas opiniões são feitas de tudo isso.Mas a arte,a ciência,a filosofia exigem mais:traçam planos sobre os caos.Essas três disciplinas não são como as religiões,que invocam dinastias de deuses,ou a epifania de um deus único,para pintar sobre o guarda-sol um firmamento,como as figuras de uma Urdoxa de onde derivariam nossas opiniões.A filosofia,a ciência e arte querem que rasguemos o firmamento e que mergulhemos no caos.Só o vencemos a este preço.Atravessei três vezes o Aqueronte como vencedor.O filósofo,o cientista,o artista parecem retornar do país dos mortos[...]As três disciplinas procedem por crises ou abalos,de maneira diferente,e é a sucessão que permite falar de "progresso" em cada caso.Diríamos que a luta contra o caos implica afinidade com o inimigo,porque uma outra luta se desenvolve e toma mais importância,contra a opinião que,no entanto,pretendia nos proteger do próprio caos."

Como já tinha dito Schopenhauer(em postagens anteriores),a filosofia é um árduo caminho a se percorrer,segundo Deleuze e Guattari um mergulho no caos,mais do que isso é querer mergulhar no caos,afim de criar afinidades com o próprio "inimigo",afinidades para que se possa conhecer seus pontos fracos,é a única maneira de entrar em contato com o mal e sair ileso.Tudo isso porque nossas opiniões são formadas a partir do simples conhecimento empírico,que provém de nossas experiências,mas é muito pobre o conhecimento que deriva dos nossos sentidos e da conformidade com o passado,é exatamente isso que Deleuze e Guattari se referem quanto ao "guarda-sol que nos protege do caos",que na verdade nos esconde a realidade,ao que induz a pensar na "Alegoria da Caverna" de Platão,dos homens dentro de cavernas que só percebem o mínimo de realidade através das sombras na parede.O "guarda-sol" e a "caverna" desempenham o mesmo papel de obstáculos que impedem a visão da realidade.É por isso que a doxa,a pura opinião é insuficiente para a Filosofia,a Ciência e a Arte,é preciso mergulhar no caos,enxergar o que há além do que fica no "guarda-sol" e não temer o que tem a enfrentar,pois os verdadeiros guerreiros não desistem e procuram o bem maior para todos que o cercam.Nas palavras de Schopenhauer:"
"A Filosofia é uma estrada isolada numa grande montanha(...)
Quem a percorre não deve temer,mas deixar tudo para trás e abrir caminho,confiante,na neve do inverno.(...)

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